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Pele negra, vermelha, marrom…, máscaras brancas!

“Pele negra, máscaras brancas” [1952] de Frantz Fanon se tornou um clássico para os debates sobre a construção de uma “psicologia pós e/ou decolonial”. O motivo para tanto se deve à agudeza das elaborações teóricas do filósofo e psiquiatra martinicano. Ninguém antes dele parece ter descrito com tanta minúcia os meandros estruturais, econômicos, sociais e psicológicos presentes nos processos de dominação colonial e de racialização. Partindo de três autores consagrados pelo chamado pensamento ocidental, a saber, Hegel, Marx e Freud, Fanon mostrará o quanto a dimensão material-econômica da dominação não se opõe à simbólico-psicológica, pois as duas estão intimamente entrelaçadas a tal ponto de que uma não existe sem a outra. Essas dimensões estão coladas pela ideia de raça, uma tecnologia do poder que torna possível expor um determinado sujeito, notadamente o sujeito de pele negra, à ameaça de morte, seja ela física ou simbólica, assim como à exploração de seu trabalho corporal e mental, e ao gozo de sua potência libidinal.

São inúmeros os trabalhos que se inspiraram e se inspiram em Frantz Fanon, não apenas no campo da psicologia, mas também nas chamadas ciências sociais e nas humanidades em geral. Glean Sean Coulthard escreveu “Pele vermelha, máscaras brancas”, em 2014, para pensar os dilemas enfrentados pelas comunidades indígenas na sociedade canadense. Embora as duas obras guardem uma distância no tempo e sejam diferentes por tomar como modelo sociedades distintas, elas têm em comum o mérito de não abrir mão da dimensão material e simbólica para a compreensão dos processos de dominação e de racialização. Coulthard retoma a noção marxista de “acumulação primitiva” para evidenciar que esta não é uma etapa vencida pela suposta fase “pré-capitalista” do capital, mas a condição necessária e permanente à exploração das sociedades e grupos contemporâneos. Por essa razão, as comunidades indígenas canadenses continuam a viver processos de expropriação e de espoliação. A política de reconhecimento no marco do Estado liberal canadense não é outra coisa senão a tentativa de ocultar uma política violenta de assimilação dos povos indígenas para que suas terras possam servir aos interesses da acumulação capitalista.

Em “Pele marrom, máscaras brancas”, publicada em 2011, Hamid Dabashi atualiza a problemática fanoniana da raça para entendê-la não mais na sua relação com o colonialismo, mas em seu exercício do poder imperial no mundo contemporâneo. Para seguir adiante com seu projeto imperial de dominação, o governo estadunidense alicia pessoas de origem árabe para levar a cabo seus interesses anti-árabes. Assim, inúmeros intelectuais iraquianos imigrantes foram usados para representar de forma negativa seu país de origem, contribuindo para a produção de uma narrativa que justificasse a invasão do Iraque em 2003. O retrato produzido por Dabashi é muito diferente da fratura produzida pelo “exílio intelectual” naqueles que, como Edward Said, souberam fazer dessa situação um locus de enunciação que permitisse uma crítica dura e bastante consistente ao império sem perder de vista os problemas de suas próprias sociedades de origem. O “informante nativo” serve de correia de transmissão dos interesses do império e revela as múltiplas faces que os processos de racialização podem assumir. 

Finalmente, em “Pele marrom, mentes brancas”, de 2013, E. J. R. David aborda os processos históricos que conformaram e ainda conformam a internalização da opressão racial pelos filipinos e pelos filipino-americanos. Assujeitadas às colonizações espanhola e estadunidense, as Filipinas sofreram um processo de dominação violento pelo qual a marca da inferioridade se inscreveu na subjetividade daquele país. Como descreveu Fanon, o colonialismo implica a ocupação de um território, a imposição de uma cultura, a inferiorização do colonizado e a produção de estruturas políticas e econômicas que garantam a dominação. Nesse sentido, David não se preocupa apenas em descrever os mecanismos da dominação, mas também a produzir uma psicologia da libertação, uma práxis voltada para a superação desse sentimento de inferioridade. O autor desenvolveu a “Escala de Mentalidade Colonial” pela qual busca aferir o grau de internalização do sentimento de inferioridade cujas consequências psicológicas são inúmeras, tais como a produção de sintomas depressivos, ansiosos, psicossomáticos e confusões de identidade.

Talvez a injunção de que se deve colocar “máscaras brancas” sob peles não-brancas seja o solo comum dos universos sociais e históricos tão heterogêneos destacados por Fanon, Coulthard, Dabashi e David. Apesar de distantes no tempo e no espaço, os autores revelam que a raça é e continua sendo o operador central do mundo moderno/colonial. Vivemos num mundo racializado a despeito do fato de que as dinâmicas raciais ganham feições específicas a depender de processos sociais e históricos singulares. Diante de tantos “condenados da terra”, por que continuamos a insistir numa psicologia branca, individualista, pequena burguesa e colonial? O projeto de uma práxis liberatória continua um projeto inacabado e ainda temos muito a fazer para que o mínimo de dignidade seja conferido às grandes parcelas da população destituídas de sua humanidade.



Por Marcos de Jesus Oliveira (17.04.2024)
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