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Sou migrante e esta é um pouco da minha história

Eu sou Djenika Senatus, haitiana, tenho 29 anos, formada em Relações Internacionais e Integração e atualmente mestranda na mesma área. Sou membra da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) e, por mais de um ano, atuei como tutora no programa de tutoria para estudantes haitianos na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Pesquiso migração e direitos humanos, dedicando minha trajetória acadêmica e pessoal a entender e questionar as injustiças que afetam os migrantes. Vivendo no Brasil há quase seis anos, trago este relato para dizer que mesmo qualificada, com toda minha formação, esforço e dedicação, sinto diariamente os desafios e as dores de ser uma mulher preta e migrante em um sistema que insiste em nos reduzir à mão de obra barata. Compartilho aqui minha vivência como migrante, com a esperança de que cada palavra desperte no coração de quem acolhe esta história a empatia necessária para sentir as lutas, as dores e os sonhos de quem, com coragem e sacrifício, deixa tudo para trás, cruzando fronteiras em busca de dignidade e um futuro melhor.

A lei de migração no Brasil, aprovada em 2017, representou diversos avanços e um dos pontos reforçada por ela é a não criminalização dos migrantes. Contudo, apesar de não ser crime migrar, fica claro que o Brasil ainda precisa avançar em áreas como a integração e cidadania plena dos/as migrantes. Dificuldades para a revalidação de títulos e acesso ao Ensino Superior, o não direito ao voto, a ausência de programas de ensino e promoção da língua, a quase inexistência de centros de referência para migrantes fazem com que a vida de um/a migrante não seja nada fácil.

O grande fluxo de migrantes venezuelanos a partir de 2017 e a criação de programas como a Operação Acolhida, revelam alguma preocupação « humanitário » por parte do Estado brasileiro, porém com um viés quase que exclusivamente assistencialista, pois busca resolver o « problema » da migração encaminhando as pessoas para locais onde há trabalho, como se ao migrantes coubesse apenas o lugar de mão-de-obra barata. Contudo, não vemos uma ação integrada do Estado brasileiro com os municípios que recebem esses migrantes. Ser uma « cidade acolhedora » faz de um município um pólo receptor de migrantes, porém muitas cidades ainda carecem – de fato – de políticas públicas que integrem essa população nos aparelhos do sistema municipal e federal e que capacitem servidores e agentes públicos para receber esses migrantes. Assim, o acolhimento – muitas vezes – só acontece no título. Essa visão assistencialista reflete o modo como o sistema capitalista nos enxerga não como pessoas capazes de contribuir em diversos setores, mas como peças descartáveis que atendem às necessidades imediatas do mercado de trabalho. Isso não só invisibiliza nossas histórias, mas também nos faz sentir como se nunca fôssemos realmente aceitos. É um sentimento de exclusão constante, como se nossas contribuições intelectuais e culturais não fossem importantes.

Meu maior sonho é trabalhar no ACNUR, uma organização que admiro profundamente por sua missão de ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade, como eu. Mas esse sonho parece cada vez mais distante, não apenas pelas barreiras de mercado, mas também pela falta de oportunidade para os migrantes. Empregos para migrantes é visto em setores específicos do mercado e pensado para grupos específicos de migrantes. Sou graduada e poliglota :falo francês, espanhol, crioulo haitiano, português e inglês e apesar disso, barreiras impostas pelo sistema de recrutamento, até mesmo em organizações como ACNUR ou OIM, tornam o caminho ainda mais difícil. Falta uma política de ações afirmativas que abra espaço para migrantes qualificados, permitindo que possamos contribuir com nossa vivência e experiência. Migrantes qualificados têm muito a oferecer, tanto na criação de políticas públicas inclusivas quanto no atendimento a outros migrantes. No entanto, somos constantemente relegados a papéis passivos, tratados apenas como receptores de ajuda, nunca como agentes de transformação.

A falta de acesso à informação também é uma barreira crítica. Muitos migrantes chegam ao Brasil sem saber quais direitos possuem : desde o acesso a serviços básicos até mesmo locais ajuda/ informação. O artigo 15 da Constituição Brasileira garante a igualdade de tratamento para todos, mas, na prática, enfrentamos barreiras que outros não enfrentam. A exclusão é sentida em cada detalhe da vida cotidiana, desde a dificuldade de encontrar emprego até o acesso a serviços essenciais.

Ser mulher preta e migrante é carregar o peso de múltiplas discriminações que se cruzam, limitando nossas oportunidades e perpetuando um ciclo de desigualdade. Não é apenas o fato de ser migrante; é ser vista como alguém que precisa provar duplamente suas capacidades.

Apesar de todos esses poréns, a lei brasileira de migração ainda é uma das mais avançadas no mundo e o engajamento da sociedade civil faz com que os direitos humanos da população migrante seja permanentemente lembrada e colocada em evidência. Luta-se pelo avanço das políticas de inclusão e da valorização da população migrante.

O Brasil tem potencial para ser um modelo global de acolhimento, mas para isso precisa avançar muito. Somos mais do que mão-de-obra barata. Temos capacidades e sonhos que podem enriquecer a sociedade onde vivemos. Mas precisamos de oportunidades reais, de ações afirmativas e de políticas que nos permitam ocupar espaços dignos e qualificados. Queremos contribuir, transformar e participar ativamente da sociedade e não apenas ser tratados como ferramentas descartáveis. Construir políticas que pensem e integrem os/as migrantes é avançar rumo ao fortalecimento de sociedades democráticas, inclusivas e promotoras dos direitos humanos.

Por Djenika Senatus (Cátedra Sérgio Vieira de Mello), Laura Janaina Dias Amato e Karen Honório (Professoras da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)