No dia 30 de outubro de 2024, a Assembleia Geral da ONU aprovou, pela 32ª vez consecutiva, a necessidade de acabar com o embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos a Cuba. Esta resolução foi aprovada por 187 países, tendo apenas uma abstenção – da Moldávia – e dois emblemáticos votos contrários: dos Estados Unidos e de Israel. Tal votação, que ocorre desde 1992, sempre condenando a política estadunidense frente a Cuba, tem um peso diferenciado na atual conjuntura, pois o país caribenho está vivendo uma grave crise energética e de abastecimento, tendo entre suas causas precisamente o embargo, agravada pelo furacão Oscar, que atingiu a ilha no dia 20 de outubro.
Desde a Revolução Cubana de 1959, que derrubou a ditadura e Fulgencio Batista e levou a cabo medidas essenciais de caráter democrático e nacionalista, desdobrando-se em horizonte socialista, os Estados Unidos tratam de aplicar uma série de ações com vistas a afetar as condições de vida no povo cubano e, com isso, debilitar o governo revolucionário. Já em 1960, o então subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos Interamericanos, Lester D. Mallory, enviou um memorando interno à Casa Branca, encabeçada por Dwight Eisenhower, em que reconhecia de início que a grande maioria da população cubana apoiava Fidel Castro, para em seguida sentenciar: “O único meio previsível de minar o apoio interno é através do desencanto e da desilusão com base na insatisfação econômica”, de modo que “todos os meios possíveis devem ser empreendidos prontamente para enfraquecer a vida econômica de Cuba¹”. Dois anos depois, já sob a presidência de John F. Kennedy, foi assinada uma ordem executiva impondo um embargo econômico sobre Cuba², que está vigente até hoje, apesar da condenação de praticamente o mundo todo.
O governo cubano vem denunciando essas medidas de sanções dos EUA como um verdadeiro bloqueio, dada a extensão de regras e normativas que impedem relações econômicas de Cuba não apenas com o próprio Estados Unidos, mas também com o restante do mundo, criando entraves para que empresas de outros países realizem negócios com o país. Por exemplo, os EUA impõem sanções contra navios que atracam em portos cubanos, proibindo-os de entrar nos Estados Unidos por seis meses; além disso, impede que entidades de outros países que operem com mais de 10% de capital estadunidense façam qualquer tipo de comercialização com Cuba. Para que isso ocorra, as empresas precisam encontrar brechas jurídicas e políticas, com todo tipo de custo que isso acarreta. Com razão, em 2022, ao completar 60 anos da ordem de embargo, o governo cubano declarou que tal bloqueio representa “o ato de guerra econômica mais complexo, prolongado e inumano cometido contra qualquer nação”. De acordo com a declaração do governo revolucionário cubano, “os danos acumulados nessas seis décadas superam 144 bilhões de dólares a preços correntes”³.
Além das inúmeras dificuldades cotidianas relacionadas ao bloqueio, tal política é uma das causas da mais recente crise energética que a ilha vem sofrendo no último mês. Isso porque o bloqueio impede o recebimento de financiamento para a compra de combustível e para melhoria da infraestrutura. Não se trata apenas do país não possuir recursos para a compra de combustível que, por sua vez, possa suprir as plantas de energia elétrica, mas de todo o aparato financeiro e de crédito que tais operações envolvem, e que é sistematicamente boicotado pela política estadunidense. Os envios de combustível para a ilha têm sido mais afetados desde 2019, com a política agressiva de Donald Trump contra Cuba – políticas estas que foram mantidas sob a presidência de Joe Biden. No contexto da pandemia de Covid-19 a partir de 2020 a situação só viu se agravar.
Em suma, o auge da crise energética recente está relacionado à asfixia econômica dos Estados Unidos contra Cuba, pois gera uma insuficiente capacidade financeira de pagar a importação de combustível e renovar a infraestrutura do sistema nacional de eletricidade. Isso fez com que, no último dia 18 de outubro, o sistema de energia elétrica de Cuba passasse por um verdadeiro apagão. E, dois dias depois, a ilha ainda sofreu os impactos do furacão Oscar, com ventos de mais de 130km/h, inundações, danos à agricultura e à moradia.
É este o quadro geral que torna a política estadunidense contra um país soberano ainda mais condenável, dada a crueldade de seus efeitos. Uma política de bloqueio colocada em prática em 1960 para desestabilizar um governo que apresentava enorme apoio popular, e que vem sendo mantida em curso até o presente para causar a deterioração das condições de vida da população e, com isso, gerar um cenário de protestos. O plano estadunidense de destruição planejada e progressiva das condições de vida do povo cubano está em andamento e, ao que tudo indica, alcançou um nível agudo, talvez o pior dos últimos anos.
O bloqueio é uma das causas inegáveis da atual situação – embora certamente não a única – e deve ser considerado no centro de qualquer análise honesta sobre Cuba. Quanto aos protestos e a deslegitimação do governo, tem ocorrido legítimas e pontuais expressões de descontentamento, mas sem uma amplitude e capilaridade na sociedade cubana a ponto da população rechaçar as conquistas da Revolução Cubana. Tem se visto também inúmeros exemplos de solidariedade tanto interna – frente às camadas da população mais afetadas -, quanto internacional, retribuindo ao povo cubano as inúmeras ações de solidariedade que demonstraram ao longo de seis décadas. Trata-se de um quadro extremamente complexo, que é necessário acompanhar atentamente, consciente de que representa um corolário da política ilegal perpetrada pelos Estados Unidos, avalada por um Estado com práticas genocidas e condenada por todos os demais países do mundo.
Por Fernando Correia Prado
Professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
¹ https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1958-60v06/d499.
² https://www.govinfo.gov/content/pkg/STATUTE-76/pdf/STATUTE-76-Pg1446.pdf; https://nsarchive.gwu.edu/briefing-book/cuba/2022-02-02/cuba-embargoed-us-trade-sanctions-turn-sixty
³ https://cubaminrex.cu/es/60-anos-de-la-proclama-que-formalizo-el-criminal-bloqueo-economico-de-eeuu-contra-cuba