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Um balanço das Relações Sul Sul em 2024: UNASUL, MERCOSUL reformulado e BRICS+

Essa semana será realizada na Rússia a XVI Cúpula dos BRICS, evento que gera muitas expectativas pelo ingresso de 5 novos membros que se somarão aos quatro fundadores em 2009 (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul que ingressou em 2011) o que traz ao grupo um maior protagonismo no Sistema Internacional (SI) na defesa do multilateralismo e nas críticas ao unilateralismo em anos recentes por parte dos EUA. É um momento muito complexo no SI com vários conflitos e tensões crescentes (Ucrânia, Palestina, Israel, Líbano, Irã, etc.) envolvendo atores poderosos como EUA, OTAN, China e a própria Rússia.

Na próxima Cúpula espera-se que o grupo passe por uma transformação significativa à medida que amplia sua adesão para incluir cinco novas nações (Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos), o chamado BRICS+. Essa expansão representa uma mudança notável no cenário global, caracterizado por uma maior multipolaridade. Vale destacar que a Argentina, sob seu novo presidente Javier Milei, decidiu não aceitar o convite feito na XV Cúpula BRICS na África do Sul em 2023. A inclusão de países como Arábia Saudita e outras potências, conhecidas por seu papel dominante na produção de petróleo, reforça a agenda energética dos BRICS e sua capacidade de influenciar o mercado mundial de matérias-primas. Essa expansão também reflete a busca estratégica do grupo para reduzir sua dependência do dólar americano. Por outro lado, as decisões consensuais serão muito difíceis com a ampliação de novos membros, o que poderia levar a uma paralisia na tomada de decisões sobre alguns temas controversos. Mas, ao mesmo tempo, denota o poder de atração que esse eixo político exerce no SI atualmente. Isso nos leva a uma reflexão sobre um balanço das chamadas relações Sul Sul em 2024. Nesse artigo faremos uma comparação das potencialidades e limitações de três iniciativas que poderiam ser avaliadas como exemplos de cooperação Sul Sul atualmente: UNASUL, MERCOSUL e BRICS+.

Um primeiro ponto relevante é reconstruir historicamente o conceito de relações Sul Sul e sua retomada no início do século XXI. A hipótese central que sustenta que essa cooperação é qualitativamente diferente da Norte Norte ou Norte Sul é que países que foram vítimas do colonialismo costumam ser mais respeitosos e não cooperam de forma condicionada como normalmente foi o método adotado pelo Fundo Monetário Internacional, ou seja, financiavam países pobres, mas impunham severos programas recessivos nesses países.

Origens da Cooperação Sul Sul
A cooperação Sul-Sul teve como marco histórico a Conferência de Bandung, realizada em 1955, na Indonésia, reunindo líderes de vinte e nove Estados asiáticos e africanos. O objetivo era a promoção da cooperação econômica e cultural afro-asiática, como forma de oposição ao que era considerado colonialismo ou neocolonialismo. Bandung marcou o início de demandas coletivas pelo Terceiro Mundo nos campos da política (descolonização) e desenvolvimento; sendo que a maioria das demandas foram feitas através do fórum da ONU e gradualmente foram aceitas. Simultaneamente, na América Latina já eram desenvolvidos os conceitos de centro e periferia, considerando o SI dividido entre Norte e Sul, especialmente nas interpretações de Raúl Prebisch e Celso Furtado sobre o subdesenvolvimento da América Latina nas décadas de 1950 e 60.
Nesse sentido houve uma aproximação dos objetivos de Bandung com as ideias econômicas da CEPAL resultando na formalização da cooperação Sul-Sul, com a criação da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) em 1964, sendo representativo que seu primeiro Secretário-Geral tenha sido Raúl Prebisch. Entretanto, a cooperação Sul-Sul perdeu força nos anos 1970 com a crise do petróleo, a crescente heterogeneidade dos países do chamado Terceiro Mundo e com o avanço da doutrina neoliberal no Ocidente, a qual defendia que o SI era único e globalizado.
No início do século XXI a cooperação Sul-Sul reaparece com força no cenário internacional, com a criação de alguns blocos que defendem a ideia de que a coordenação entre países do Sul pode diminuir a força dos países centrais, especialmente dos Estados Unidos, criando um SI que se propõe “mais justo e equilibrado”, ou seja, um mundo multipolar. Entre eles destacaremos UNASUL, MERCOSUL REFORMULADO e BRICS+.

UNASUL
A UNASUL foi fundada em 2008 e era uma organização intergovernamental composta pelos doze Estados da América do Sul. A entidade, assim como outros processos de regionalismo na América Latina, seguiu um modelo intergovernamental de associação, no qual os Estados soberanos são os principais atores na formulação e implementação desses mesmos processos. Diferentemente do modelo de integração da União Europeia (EU) onde há foco em instituições e organizações de natureza supranacional, na UNASUL os Estados procuraram manter, acima da visão regional, o interesse nacional e a preservação de suas soberanias. Os conceitos de não intervenção, autonomia e autodeterminação dos povos eram valores inquestionáveis ​​dentro da instituição. Isso marca a singularidade do processo de integração Sul-americana, com suas potencialidades, mas também com as suas limitações.

Demonstrando a intenção de construir a integração de forma multidimensional e se diferenciando da proposta neoliberal com foco apenas na integração econômica, a UNASUL foi composta por 12 Conselhos específicos, a saber: 1- Conselho Sul-Americano de Energia; 2- Conselho de Defesa Sul-Americano; 3- Conselho Sul-Americano de Saúde; 4- Conselho Sul-Americano de Desenvolvimento Social; 5- Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento; 6- Conselho Sul-Americano sobre o Problema Mundial das Drogas; 7- Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças; 8- Conselho Eleitoral da UNASUL; 9- Conselho Sul-Americano de Educação; 10- Conselho Sul-Americano de Cultura; 11- Conselho Sul-Americano de Ciência, Tecnologia e Inovação e; 12- Conselho Sul-Americano de Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação de Ações contra o Crime Organizado Transnacional.

Como se sabe, a UNASUL viveu um momento de profunda fragilidade, visto que em 20 de abril de 2018, o Brasil e outros cinco países suspenderam suas participações na UNASUL. Os Ministro das Relações Exteriores do Brasil, da Argentina, Paraguai, Colômbia, Chile e Peru naquele ano enviaram uma carta à Presidência Pro Tempore da UNASUL e informaram sobre a decisão de suspender, por tempo indeterminado, a participação nas reuniões do bloco. A iniciativa, segundo o documento, foi motivada pelo impasse com o governo venezuelano em relação à eleição do secretário-geral da organização.

Cabe ressaltar que em 2023 Brasil, Argentina e Colômbia voltam ao bloco, o que trouxe um sopro de esperança na retomada dessa iniciativa. Porém, em 30 de maio de 2023, com a intenção de relançar a UNASUL no terceiro governo Lula, o Brasil foi o anfitrião de uma Cúpula de presidentes Sul-americano depois de muito tempo, mas a questão da crise venezuelana acabou gerando tensionamentos por parte de Chile e Uruguai que criticaram a postura brasileira de relativizar a democracia no país do norte sul-americano. Apesar da fragilidade da UNASUL, reflexões teóricas, práticas e protocolos de integração serão essenciais para a reconstrução de um espaço de unidade sul-americana.
MERCOSUL reformulado

Em 1991, foi assinado o Tratado de Assunção, com vista ao estabelecimento de um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Segundo o site oficial do MERCOSUL, a organização tem promovido os princípios da Democracia e do Desenvolvimento Econômico como pilares fundamentais da integração, promovendo a integração com rosto humano. Em linha com estes princípios, foram acrescentados diversos acordos sobre imigração, trabalho, questões culturais, sociais, entre muitos outros a destacar, que são de extrema importância para os seus habitantes. Chamamos esse processo de MERCOSUL reformulado, pois nasceu sob o forte neoliberalismo de Collor de Melo no Brasil (presidente entre 1990-1992) e de Carlos Menem (presidente entre 1989-1999) na Argentina. Nossa hipótese é que, com o fracasso da aplicação do neoliberalismo nos dois países, a própria instituição foi repensada para ir além da integração puramente econômica.

Esses acordos significaram a incorporação das dimensões Cidadã, Integração Social e Produtiva, entre outras, para as quais, por um lado, foi necessário adaptar e ampliar o quadro institucional do bloco em toda a região, atendendo às novas demandas e aprofundando a efetiva participação da cidadania por diversos meios; e por outro lado, teve que dotar-se de mecanismos próprios de financiamento solidário, como o Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), entre outros fundos. Os principais órgãos criados neste processo que chamamos de MERCOSUL reformulado são: o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) para a resolução de conflitos entre as partes componentes do MERCOSUL; o FOCEM; o Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL) o Instituto Social do MERCOSUL (ISM); o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (IPPDH); e as Unidades de Apoio à Participação Social (UPS).

A reformulação do MERCOSUL com a ampliação de suas funções é clara, mas apesar do aumento do seu caráter multidimensional, nos últimos anos passou por crise e estagnação. Nos últimos anos politicamente Brasil e Argentina vivenciaram alguns desencontros ideológicos (período em que Bolsonaro e Fernández eram os presidentes e atualmente com Lula e Milei) que se refletiu em retração do comércio bilateral e com o mandatário argentino nem sequer presenciando a última Cúpula presidencial ocorrida em Assunção em 2024. Além desses fatores internos é também relevante considera que a China passou a ser o principal parceiro comercial de vários países da região dificultando ainda mais a construção de cadeias produtivas regionais diante do dinamismo chinês.

BRICS+
Em 2023, os BRICS tiveram a maior adesão formal de novos membros desde sua criação. No entanto, nesse momento, o Brasil argumentou que deveriam ser estabelecidos critérios claros. As decisões consensuais serão muito difíceis com a ampliação de novos membros, o que poderia levar a uma paralisia na tomada de decisões sobre alguns temas controversos. Mas, ao mesmo tempo, denota o poder de atração que esse eixo político exerce no SI atualmente.
É relevante mencionar que a Turquia solicitou oficialmente sua adesão aos BRICS em setembro de 2024, com o objetivo de se tornar o décimo membro do bloco. A iniciativa reflete o desejo de fortalecer os vínculos com as economias emergentes. Segundo a Revista Fórum “frustrada pela falta de avanços em sua adesão à União Europeia, a Turquia busca novas alianças. Juntar-se aos BRICS pode abrir mercados, atrair investimentos e promover a inovação.” Segundo a reportagem, a Turquia deseja reduzir sua dependência do Ocidente, diversificar os vínculos econômicos e aumentar a estabilidade financeira, especialmente diante das flutuações da taxa de câmbio. No atual momento mais de 30 países solicitaram seus ingressos no BRICS o que por um lado mostra a importância que o grupo foi assumindo no SI, mas por outro sem critérios claros de ingresso, pode redundar em um arranjo de países tão diversos que a possibilidade de se construir consensos e se materializar as propostas sejam mínimas.

Considerações Finais
Tanto UNASUL, quanto o MERCOSUL e o BRICS+ apresentam muitos desafios, porém não há como questionar que enriquecem a análise das probabilidades de uma cooperação internacional menos condicionada e hierárquica e na construção de um SI e regional multilaterais ampliando as possibilidades desses países diminuírem suas vulnerabilidades externas e dependências em relação as potências ocidentais.