INFORMAÇÕES GERAIS
Definição – O trauma facial, ou traumatismo bucomaxilofacial, é uma lesão na região da face ocasionada por um ferimento de impacto físico.
Lesões faciais podem prejudicar a capacidade do paciente de comer, falar, interagir com outras pessoas e desempenhar outras funções importantes. Lesões graves geralmente ocorrem como resultado de colisões de veículos motorizados, bem como violência interpessoal e doméstica. Outros mecanismos incluem quedas, mordidas de animais, atividades esportivas e recreativas.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
O rosto é anatomicamente complexo. Inclui pele, músculos responsáveis tanto pela função motora grossa (por exemplo, mastigação) quanto pela expressão facial sutil, uma estrutura óssea complexa e órgãos sensoriais vitais. Lesões na face podem comprometer a capacidade do paciente de respirar, ver, falar, ouvir e comer, e podem envolver danos ao SNC.
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
Abordagem inicial – Lesões faciais desfigurantes podem distrair tanto o paciente quanto o clínico. No entanto, os médicos devem se concentrar nos fundamentos do atendimento ao trauma e abordar todas as lesões que ameaçam a vida antes de realizar um exame facial completo. Como parte da pesquisa primária, são identificadas lesões na orofaringe ou face inferior que comprometem as vias aéreas ou prejudicam a respiração e o tamanho e a reação pupilar são avaliados. Depois que os problemas identificados durante a pesquisa primária forem adequadamente abordados, uma pesquisa secundária, incluindo uma avaliação cuidadosa das lesões faciais, deve ser realizada. A pesquisa secundária deve incluir uma abordagem sistemática e exame de todas as principais estruturas e funções faciais.
Anamnese – Além de obter um histórico básico da lesão e problemas médicos pregressos, o clínico deve buscar respostas para as perguntas abaixo:
- Você consegue respirar pelos dois lados do nariz? A incapacidade de fazê-lo é consistente com fratura nasal.
- Você está tendo algum problema para falar? Trismo ou dificuldade para falar sugere uma fratura mandibular.
- Você tem visão dupla ou qualquer outro problema com sua visão? Diplopia ou alterações visuais são comuns em pacientes com fraturas orbitárias, mas também são observadas com lesões faciais mais significativas, como fratura nasoorbitoetmoidal (NOE).
- Sua audição está normal?
- Você está sentindo alguma dormência no seu rosto? As parestesias faciais podem ocorrer a partir de várias fraturas faciais. Como exemplo, com uma fratura zigomática, um paciente pode apresentar dormência relacionada à lesão do nervo infraorbitário.
- Você já teve alguma lesão facial ou cirurgia anterior, incluindo procedimentos oculares para corrigir a visão (por exemplo, LASIK, cirurgia de catarata)? A cirurgia prévia aumenta o risco de lesões oculares e possível ruptura do globo.
- Seus dentes estão juntos como ontem? A má oclusão sugere uma fratura mandibular.
- Algum de seus dentes está dolorido ou solto? Uma resposta positiva deve levar o examinador a avaliar uma lesão alveolar mandibular.
- Você estava sangrando pela boca, nariz ou ouvidos?
- Você já experimentou alguma vertigem? A vertigem é um sintoma comum em um paciente com trauma fechado na cabeça, face ou pescoço; mas em um paciente com trauma facial significativo, levanta a suspeita de fratura do osso temporal.
Exame físico – O exame começa observando o rosto do paciente em busca de qualquer assimetria estrutural ou discrepâncias grosseiras na função motora. É útil observar o rosto de mais de uma perspectiva. Lacerações, abrasões, contusões e avulsões teciduais são geralmente óbvias. A avaliação cuidadosa das estruturas subjacentes é importante e todas as lesões devem ser cuidadosamente documentadas.
Discrepâncias sutis podem ser importantes. Como exemplo, diferenças nas posições relativas dos globos oculares podem levar ao diagnóstico de fraturas orbitárias. As fraturas orbitárias podem causar enoftalmia (olho afundado devido a fratura do assoalho da órbita), aprisionamento muscular (incapacidade de mover o olho adequadamente), hipoestesia por aprisionamento de nervo ou exoftalmia (por hematoma retrobulbar). O aumento da distância intercantal (telecanto) sugere a presença de uma fratura NOE (em oposição a uma fratura nasal isolada), que é tipicamente associada a edema orbital significativo.
Outros achados que podem estar presentes com uma lesão naso-órbito-etmoidal incluem diplopia, congestão nasal ou epistaxe, anormalidades da visão, tontura e anosmia. Em seguida, o clínico palpa as proeminências ósseas da face sentindo sensibilidade focal, desnível, crepitação e movimento anormal. A paralisia facial aguda sugere possível transecção do nervo facial ou de um de seus ramos e requer consulta imediata com cirurgião bucomaxilofacial; a paralisia que evolui ao longo de alguns dias pode estar relacionada ao inchaço do nervo e também merece consulta.
A documentação é uma parte crucial do exame no trauma facial, que pode ser causa de crime violento, abuso físico, briga doméstica ou acidente industrial. Documentação cuidadosa, incluindo fotografias ou desenhos, auxilia na comunicação com outros médicos e fornece evidências forenses importantes que podem ser úteis em casos que resultem em litígio ou processo criminal.
Disfonia ou edema da orofaringe sugere a presença de um hematoma ou fratura significativa, e cada um está associado a um risco aumentado de comprometimento das vias aéreas. Estridor ou salivação também sugere dificuldade nas vias aéreas. Uma fratura da mandíbula pode estar presente se o paciente se queixar de que a abertura da boca está restrita ou anormal. Equimose ou inchaço ao redor do queixo ou da área pré-auricular está associado a uma fratura da mandíbula, assim como a dormência do queixo ou dos dentes que está presente imediatamente após o trauma. A dormência que se desenvolve alguns dias depois é mais provável que resulte de edema local.
A palpação da mandíbula tanto externamente quanto dentro da orofaringe (realizada com cuidado apropriado – alguns examinadores colocam gaze entre os dentes superiores e inferiores) pode revelar sensibilidade, crepitação ou descolamento, qualquer um dos quais sugere uma fratura da mandíbula. Em pacientes alertas, o teste da lâmina da língua é útil para determinar a presença de fratura de mandíbula.
Exames de imagem – A escolha do exame de imagem para fraturas faciais depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, capacidade de cooperação e recursos disponíveis. A visualização de fraturas entre as curvas complexas dos ossos faciais é melhor alcançada usando tomografia computadorizada. A angiografia por TC pode ser útil se o paciente tiver um hematoma facial significativo ou em expansão ou se a lesão ou dissecção da artéria carótida for uma preocupação.
Radiografias simples podem ser usadas para rastrear fraturas se a TC não estiver disponível ou se o paciente tiver menos probabilidade de ter sofrido uma fratura da face média ou maxilar. Nesses casos, a avaliação pode começar com uma única visão occipitomental (às vezes chamada de visão de Water). A forma em U da mandíbula e a presença de estruturas ósseas adjacentes impossibilitam o isolamento da mandíbula em uma radiografia plana. A TC detecta com precisão as fraturas da mandíbula.
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
Pacientes com múltiplas lesões são ressuscitados de acordo com os protocolos de trauma padrão.
Vias aéreas – Pacientes com trauma em decúbito dorsal com sangramento intenso ou detritos orais de lesões faciais correm o risco de aspiração e comprometimento das vias aéreas. Sangue e detritos devem ser removidos e as vias aéreas protegidas conforme necessário. A remoção manual de detritos e aspiração agressiva com dois dispositivos de sucção podem ser necessários. Pacientes com sangramento orofaríngeo grave que não necessitam de imobilização espinhal devem ser autorizados a assumir uma posição de conforto. Eles podem sentar-se inclinados para a frente e podem aspirar a si mesmos. Caso seja necessária proteção da coluna vertebral, a prancha pode ser inclinada de forma a reduzir o risco de aspiração. Quando a intubação endotraqueal é indicada, os médicos devem antecipar a dificuldade em pacientes com sangramento intenso ou evidência de hematoma estendendo-se para o pescoço ou região supraclavicular. A preparação simultânea para intubação oral e cricotirotomia (ou seja, configuração dupla) é prudente nesses casos.
Sangramento – O sangramento de lesões faciais geralmente é controlado inicialmente com compressão. Se isso falhar, a hemostasia pode ser alcançada por sutura urgente da laceração ou ligadura do vaso relevante. A isquemia tecidual é altamente improvável devido às extensas anastomoses entre as artérias faciais. Deve-se tomar muito cuidado para não prender ou amarrar as estruturas às cegas, pois podem ocorrer lesões nos nervos ou ductos. Sangramento maciço e incontrolável de fraturas faciais ocorre raramente e é mais bem tratado com embolização arterial via radiologia intervencionista. O ácido tranexâmico pode ser útil no controle de hemorragia aguda de trauma facial grave.
Lesões faciais associadas a trauma cerebrovascular ou hemorragia intracraniana – Trauma facial contuso raramente causa lesões das artérias carótidas ou vertebrais. Quando tais lesões ocorrem, os sintomas e sinais podem ser sutis ou ausentes e o diagnóstico tardio, possivelmente resultando em incapacidade permanente. Os sinais de lesão podem incluir sopro ou frêmito, hematoma em expansão, déficit de pulso ou déficits neurológicos focais ou lateralizantes. O diagnóstico por imagem deve ser obtido em pacientes com qualquer um desses sinais após trauma facial e em qualquer paciente com epistaxe grave ou outra hemorragia suspeita de origem arterial. Além disso, vários grupos sugerem que pacientes que sofreram trauma facial ou craniano grave e contuso e atendem a critérios específicos apresentam risco aumentado de lesão cerebrovascular e recomendam a obtenção de exames de imagem. Pacientes que sofreram traumatismo craniano significativo juntamente com suas lesões faciais, particularmente pacientes com estado mental deprimido ou outras anormalidades neurológicas e aqueles que tomam medicamentos anticoagulantes, estão em risco de hemorragia intracraniana.
Feridas – Para otimizar a cosmese, feridas por mordidas e feridas com contaminação grosseira ou corpos estranhos incorporados devem ser limpas, debridadas e reparadas definitivamente o mais rápido possível. O desbridamento das bordas das feridas de lacerações faciais deve ser o mais limitado possível. Após a irrigação e a aproximação da ferida emergente, o reparo formal das lesões dos tecidos moles pode ser realizado dentro de 24 horas, se necessário. Atrasos no tratamento de feridas podem ser inevitáveis em pacientes que requerem tratamento de lesões que ameaçam a vida ou os membros. Pacientes com problemas comportamentais podem precisar de sedação para permitir o controle suficiente para um reparo cosmético. O reparo de feridas faciais em pacientes não cooperativos que estão intoxicados agudamente pode ser adiado até que tenham recebido a sedação apropriada ou se tornem suficientemente sóbrios para cooperar com o procedimento.
Profilaxia contra infecção – Antibióticos não são necessários para feridas faciais simples, que raramente infeccionam. As exceções incluem o seguinte:
- Algumas feridas por mordidas (particularmente mordidas de gatos ou humanas);
- Feridas com qualquer evidência de desvascularização;
- Ferimentos que penetram na mucosa bucal e lesões transversais do lábio;
- Ferimentos envolvendo cartilagem exposta da orelha ou nariz;
- Feridas altamente contaminadas que requerem fechamento;
- Feridas associadas a fraturas expostas.
Se for necessária antibioticoterapia profilática, o antibiótico deve ser selecionado com base na flora bacteriana normal associada ao local afetado. A profilaxia do tétano é frequentemente necessária com feridas abertas e deve ser fornecida conforme indicado. Se a lesão resultar de uma mordida de animal, a profilaxia da raiva pode ser necessária.
Fraturas – O diagnóstico preciso e o encaminhamento adequado representam as chaves para o manejo inicial das fraturas faciais. A TC é o meio de diagnóstico na maioria dos casos. O reparo definitivo NÃO é necessário para fraturas sem desvio e, na maioria dos casos, para fraturas com desvio mínimo. As fraturas faciais que exigem avaliação e internação urgentes incluem:
- Fraturas nasoetmoidais, para monitorar vazamentos de líquido cefalorraquidiano e possíveis complicações (por exemplo, meningite);
- Fraturas do arco zigomático associadas ao trismo, para monitorar complicações das vias aéreas;
- Fraturas tipo LeFort do terço médio da face, para reparo cirúrgico;
- Fraturas faciais em pacientes com múltiplas lesões significativas
As fraturas associadas a quaisquer achados oculares (por exemplo, movimento extraocular anormal) precisam de avaliação oftalmológica urgente.
REFERÊNCIAS
UpToDate. Initial evaluation and management of facial trauma in adults (Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/initial-evaluation-and-management-of-facial-trauma-in-adults?search=facial%20trauma&source=search_result&selectedTitle=1~116&usage_type=default&display_rank=1). Acesso em: 25/09/2022.