Avaliação primária do trauma

INFORMAÇÕES GERAIS

O trauma é uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo. Todos os pacientes requerem uma avaliação sistemática para maximizar os resultados e reduzir o risco de lesões não descobertas. O manejo inicial de pacientes adultos com trauma é revisto aqui.


SISTEMATIZAÇÃO DO ATENDIMENTO (ATLS – Advanced Trauma Life Support):

Preparação antes da chegada – Sempre que possível, os serviços médicos de emergência devem notificar o hospital receptor de que um paciente traumatizado está a caminho. Idealmente, as informações fornecidas incluem: Idade e sexo do paciente; Mecanismo de lesão; Sinais vitais e lesões aparentes.

Avaliação primária – A avaliação primária é organizada de acordo com as lesões que representam as ameaças mais imediatas à vida e é realizada na ordem descrita abaixo.

  • Avaliação e proteção das vias aéreas (manter a estabilização da coluna cervical quando apropriado)
  • Avaliação da respiração e ventilação (manter oxigenação adequada )
  • Avaliação da circulação (controlar a hemorragia e manter a perfusão adequada dos órgãos-alvo )
  • Avaliação de incapacidade (realizar avaliação neurológica básica)
  • Exposição, com controle da hipotermia (despir o paciente e procurar em todos os lugares possíveis lesões, evitando a hipotermia)

AVALIAÇÃO E PROTEÇÃO DAS VIAS AÉREAS E PROTEÇÃO CERVICAL:

Paciente consciente

  • Comece fazendo uma pergunta simples, por exemplo, “Qual é o seu nome?”. Uma resposta clara indicará uma via aérea preservada, pelo menos temporariamente.
  • Observe a face, pescoço, tórax e abdome em busca de sinais de dificuldade respiratória, incluindo taquipnéia, uso de músculos acessórios, padrões anormais de respiração e estridor.
  • Inspecione a cavidade orofaríngea. Observe se há obstáculos para a colocação de um laringoscópio e tubo endotraqueal (Lesões, secreções, sangue, vômito)
  • Inspecione e palpe a região anterior do pescoço em busca de lacerações, hemorragia, crepitação, inchaço ou outros sinais de lesão.

Paciente inconsciente No paciente inconsciente, as vias aéreas devem ser protegidas imediatamente assim que quaisquer obstruções (por exemplo, corpo estranho, vômito, língua deslocada) forem removidas.

Avaliação pré intubação – Necessária na avaliação da dificuldade potencial de intubação e para determinar a qualidade de funções neurológicas básicas (por exemplo, reflexo pupilar à luz, movimento das extremidades). O mnemônico LEMON, bastante utilizado no trauma, é descrito da seguinte forma:

L (Look) – Observe lesões faciais e cervicais que podem distorcer estruturas externas e internas dificultando a visualização da glote ou a inserção de um tubo endotraqueal.

E (Evaluate 3-3-2) – Refere-se às distâncias da incisura intraoral, mandibular e hióide-tireóide (Foto: As distâncias normais mostradas sugerem que a laringoscopia não seria difícil para este paciente). O colar cervical deve ser aberto para fazer essas avaliações.

A imagem reúne três fotos que representam a forma de medir as distâncias citadas. A paciente está deitada, e as fotos a representam de perfil.  Na primeira foto, o profissional avalia a medida da incisura intraoral inserindo a ponta de três dedos da mão esquerda na boca da paciente. Na segunda foto o profissional avalia a distância mandibular também com as pontas de três dedos da mão esquerda sob a mandíbula do paciente.
Figura 1. Ilustração dos procedimentos de avaliação.

M (Mallampati) – A classificação modificada de Mallampati é um sistema de pontuação simples que relaciona a quantidade de abertura da boca ao tamanho da língua e fornece uma estimativa do espaço disponível para intubação oral por laringoscopia direta. De acordo com a escala de Mallampati, a classe I está presente quando o palato mole, a úvula e os pilares são visíveis; classe II quando o palato mole e a úvula são visíveis; classe III quando apenas o palato mole e a base da úvula são visíveis; e classe IV quando apenas o palato duro é visível.

Figura 2. Ilustração da escala de Mallampati.

O (Obstrução/obesidade) – Qualquer um dos fatores pode interferir na visualização e manejo da via aérea traumatizada. Qualquer número de lesões pode obstruir as vias aéreas, incluindo hematomas internos ou externos ou edema de tecidos moles por inalação de fumaça. A obesidade complica o desempenho da cricotirotomia.

N (Neck- Mobilidade do pescoço) – A estabilização do pescoço é necessária na maioria dos pacientes com trauma. Uma vez que o colar cervical é removido por um profissional qualificado, esse profissional deve estabilizar a coluna enquanto a intubação orotraqueal é realizada. É importante notar que o risco de lesão neurológica por hipoxemia é muito maior do que o risco de lesão medular devido à extensão do pescoço durante a intubação.

Imobilização da coluna cervical – Suponha que uma lesão na coluna cervical tenha ocorrido em todos os pacientes com trauma fechado até prova em contrário. A imobilização espinhal de rotina não é recomendada após lesão penetrante e demonstrou estar associada ao aumento da mortalidade. Lembre-se que a intubação orotraqueal não deve ser tentada com a porção anterior do colar cervical no lugar. As intubações realizadas com o colar cervical completo no lugar estão associadas a maior subluxação da coluna vertebral.

Intubação orotraqueal – A intubação melhora a oxigenação, ajudando assim a atender às demandas fisiológicas aumentadas. As técnicas de manejo das vias aéreas usadas no trauma, incluindo intubação em sequência rápida, vias aéreas de resgate, videolaringoscopia e laringoscopia direta, são discutidas com mais detalhes separadamente.

Cricotirotomia – Os médicos que tratam do trauma devem estar preparados para realizar uma cricotirotomia quando a intubação orotraqueal não puder ser realizada. A realização da cricotirotomia e a abordagem da via aérea com falha são discutidas separadamente


AVALIAÇÃO DA RESPIRAÇÃO/VENTILAÇÃO:

Uma vez assegurada a permeabilidade das vias aéreas, avalie a adequação da oxigenação e ventilação. Inspecione a parede torácica procurando sinais de lesão, incluindo movimento assimétrico ou paradoxal. Em pacientes instáveis, obtenha uma radiografia de tórax. Pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço e tamponamento cardíaco são ameaças imediatas à vida que devem ser identificadas na avaliação primária. A demora na obtenção de uma radiografia de tórax pode causar morbidade significativa. Se a confirmação for necessária antes do tratamento, o ultrassom pode ser realizado rapidamente à beira do leito e é mais sensível do que a radiografia simples para detectar pneumotórax. Ao exame físico avalie os seguintes itens:

  • Inspeção – Cianose; taquipneia; tiragem intercostal; mobilidade e simetria de ambos os hemitórax; feridas torácicas; hematoma ou equimose; turgência jugular; desvio traqueal; instabilidade da parede torácica; movimento torácico paradoxal; corpos estranhos;
  • Ausculta pulmonar – Redução do murmúrio vesicular (pneumotórax ou hemotórax);
  • Percussão Hipertimpanismo (pneumotórax); macicez (hemotórax);
  • Palpação – Dor à palpação de arcos costais; enfisema subcutâneo;
  • Avaliação da saturação ao monitor.

AVALIAÇÃO DA CIRCULAÇÃO:

Reconhecimento e manejo da hemorragia – Realize uma avaliação inicial do estado circulatório do paciente palpando os pulsos centrais. Se um pulso carotídeo ou femoral for verificado e nenhuma lesão externa exsanguinante óbvia for observada, a circulação pode ser momentaneamente considerada intacta. Enquanto a circulação é avaliada, dois cateteres intravenosos (IV) de calibre 16 ou maior são colocados, mais frequentemente na fossa antecubital de cada braço, e o sangue é coletado para testes, particularmente para tipagem sanguínea e prova cruzada.

A maioria dos pacientes com hipotensão ou sinais de choque (por exemplo, pele pálida, fria e úmida) está sangrando, em vista da maior mortalidade nesses casos, a ressuscitação volêmica inicial para esses pacientes pode consistir em um bolus de cristalóide intravenoso (por exemplo, 20 mL/kg de solução salina isotônica ). No entanto, pacientes com perda de sangue evidente grave ou contínua devem ser transfundidos imediatamente.


AVALIAÇÃO DO DÉFICIT NEUROLÓGICO:

Realize um exame neurológico focado. Isso deve incluir uma descrição do nível de consciência do paciente usando o escore da Escala de Coma de Glasgow (ECG) e avaliações do tamanho e reatividade pupilar, função motora grossa e sensorial. Redução do nível de consciência pode estar relacionada a:

  • Má perfusão cerebral (choque hemodinâmico).
  • Intoxicação;
  • Hipoglicemia;
  • Hipoxia;
  • Estado pós-ictal (convulsões);
  • Trauma direto cranioencefálico.

Escala de coma glasgow (ECG) – É importante fazer a avaliação da escala de coma de Glasgow antes de sedação ou uso de bloqueador neuromuscular. Permite avaliação prognóstica e seriada comparativa; varia de 3 (mínimo) a 15 (máximo) pontos.


EXPOSIÇÃO E CONTROLE DE HIPOTERMIA:

Certifique-se de que o paciente traumatizado esteja completamente despido e que todo o seu corpo seja examinado em busca de sinais de lesão durante o exame primário. Lesões perdidas representam uma grave ameaça. Regiões frequentemente negligenciadas incluem couro cabeludo, pregas axilares, períneo e, em pacientes obesos, pregas abdominais. A hipotermia deve ser prevenida se possível e tratada imediatamente. A hipotermia contribui tanto para a coagulopatia quanto para o desenvolvimento da síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.


SOLICITAÇÃO DE EXAMES:

Radiografias simples – Radiografias de triagem devem ser obtidas, seja no pronto-socorro ou na sala de cirurgia.

Ultrassom (exame FAST) – Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST) é uma parte essencial do exame de circulação primária para pacientes instáveis. O FAST é usado principalmente para detectar sangue pericárdico e intraperitoneal e é mais preciso do que qualquer exame físico para detectar sinais de lesão intra-abdominal. O FAST é menos sensível a lesões em traumas penetrantes do que em traumas contusos, os resultados dos exames de ultrassonografia em pacientes com traumas penetrantes, principalmente os negativos, devem ser interpretados com cautela.

Tomografia computadorizada (TC) de emergência – Se a fonte de hemorragia em um paciente com trauma instável não puder ser determinada usando estudos de diagnóstico por imagem imediatamente disponíveis à beira do leito, ou se forem necessárias informações adicionais para direcionar os cuidados operatórios, o médico de emergência e o cirurgião devem decidir se devem realizar TC de emergência primeiro ou se levar o paciente diretamente para a sala de cirurgia. Esta decisão é baseada na resposta do paciente às medidas iniciais de ressuscitação, suas prováveis ​​lesões e intervenção cirúrgica prevista.

Eletrocardiograma – Um eletrocardiograma (ECG) deve ser obtido para todos os pacientes lesionados por mecanismos com potencial para causar lesão cardíaca. Os sinais de lesão cardíaca contundente podem incluir arritmias, atrasos significativos na condução ou alterações do segmento ST. Se houver achados de ECG consistentes com lesão cardíaca, deve-se realizar um ecocardiograma formal (além do exame FAST).

Exames laboratoriais – A prática de obter exames laboratoriais de “triagem” de rotina em pacientes traumatizados não é útil nem custo-efetiva . Os testes devem ser realizados com base na suspeita clínica.


REFERÊNCIAS

UpToDate. Initial management of trauma in adults. (Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/initial-management-of-trauma-in-adults?search=trauma%20&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1). Acesso em: 18/09/2022.