Diferentes relatos sobre o surgimento da Vila C, contados pelos moradores que participaram da construção desse lugar.
Foz do Iguaçu: por um lado, uma cidade especial, com algo que só ela tem – as Cataratas, Itaipu, as pontes e as fronteiras. Por outro lado, ela é uma cidade como qualquer outra, com uma história, que é ao mesmo tempo a história da sua formação e a história das pessoas, mulheres e homens, que formaram a cidade, os seus bairros, a sua vida. Aqui, queremos dirigir a nossa atenção justamente para essa parte da história e, mais em particular, para a história de uma das comunidades mais importantes da cidade: a Vila C Velha. Assim, o que queremos, aqui, é contar uma história – aliás, uma História, com H maiúsculo, por respeito a todas as pessoas que contribuíram para ela. Mas quem vai contar essa História? Elas, essas pessoas, justamente! Algumas delas, pelo menos.
Tudo tem um início, e para a nossa história não ia ser diferente. Como nos conta dona Matilde C. Wurmeister: “Nós tínhamos roça, umas vaquinhas, porcos, essas coisas. Depois que meu pai morreu, vieram umas pessoas pra fazer uma medição, depois o asfalto da 277, a Ponte da Amizade. E como a nossa casa era muito perto ali da BR, eles escolheram outro lugar bem mais perto daquele trevo lá pra cima. Nós fomos pra lá e daí moramos, eu tinha uns quinze quando começou a vila A. A Itaipu já tinha começado a construção das casas aqui. Eu estava até conversando com meu marido, ele diz que a vila C tem quarenta e cinco anos. E eu acho que é mais ou menos isso, porque a minha filha mais velha tem quarenta e cinco anos. Essas casas eram feias, as estradinhas eram só poeira. Quando passava o carro você via só a poeira, nem via as casas. Falei assim ‘mãe do céu, se um dia eu precisar vir morar nessas casas e tiver que sair nunca vou conseguir chegar, não vou saber qual é a minha casa’, porque as casas de barracão eram todas iguais”.
E dona Suzinei José Leandro, amiga de Matilde, também conta: “A usina trouxe bastante família, vinham de todos os estados do Brasil, aí eles ficaram alojados lá dentro. Foram surgindo as casas aqui, e quem tinha família e quisesse buscá-la a empresa dava passagem de ônibus e caminhão de mudança tudo custeado. Conforme vinham os homens trabalhadores para dentro da usina eles iam aumentando as ruas e os pavilhões”.
E as casas, e as histórias nas casas… Vamos ouvir as lembranças de dona Maria Alice: “É, minha irmã veio pra cá acho que em 76, 77, ela morava no Rio de Janeiro. E eu vim acho que dali um ano, dois anos. Ai já era casa nova que fizeram junto com a Vila C Nova, já era umas casas diferentes, as paredes são tudo mais altas em cima a separação e pra cá não era, era tudo reta as paredes, ouvia o barulho de todas as casas e minha irmã tava tomando banho, o vizinho ergueu o isopor pra ver ela no banheiro, foi mandado embora porque tinha segurança aqui. Tinha um posto com os guardas da Itaipu, tinha uma prefeitura, depois acabou tudo”.
E entre as casas? Como circulavam por lá os primeiros moradores? Vamos ouvir ainda dona Maria Alice: “Vieram do Brasil inteiro né, eu sou de São Paulo, mas a gente conheceu todo mundo, todos os vizinhos, a maioria era do Paraná né, que era mais perto, mas veio gente de todo lugar. Muita gente vinha, aí ia embora, não gostava porque a Vila era muito barro, era difícil pra morar aqui antes do asfalto porque só tinha asfalto na entrada, onde passava o Papa-Fila, ele ia até o final da Vila Nova, na caixa d’água. Era igual ônibus, mas não tinha banco, todo mundo ia em pé.
Quem viajava nesses Papa Fila eram mais os empregados que trabalhavam no serviço pesado, quem trabalhava no laboratório igual o meu marido, ele era fichado numa empresa e requisitado pela Itaipu, aí vinha um ônibus pegar, trazia pra almoçar, voltava. Mas o Papa-Fila só vinha cedo e à noite”.
Que interessante esse Papa Fila! Dona Suzinei também lembra bem dele: “Era tipo um caminhão gigante. Como o meu pai é pernambucano ele era muito bravo, né? Só que ele não batia, não. Quando ele chegava, às seis horas da tarde, nós tínhamos que estar dentro de casa, nós, mulheres, tomada banho e sentada no sofá.
Aí quando a gente via o Papa-fila chegando! Era um caminhão gigante, cabia uns quinhentos homens né? Daí falava assim: ‘Papa-fila está chegando!’ Nós só danava pro banheiro tomar banho, pro meu pai chegar nós já estar tomando banho. Até sair todos os homens, eram quinhentos homens”.
Dona Natércia também conta a sua parte dessa História: “Então, na verdade assim, o que eu sei aqui é que a Vila C surgiu pela necessidade da Itaipu oferecer moradia para os barrageiros. Foi assim com meu pai, ele veio para cá trabalhar, ficou um tempo aqui, depois quando dispuseram da casa, ele pôde nos trazer e a gente veio. Esse bairro foi criado pela Itaipu para os barrageiros poderem viver com suas famílias aqui. Foi importante porque pôde haver essa união das famílias, os trabalhadores trazer suas famílias para estarem junto com eles.
Bons tempos, então, aqueles, não é, dona Antônia M. Zanella? Ontem e hoje! “E nesse tempo ela era toda estruturada por Itaipu, era Itaipu que mantinha, tanto que a gente não pagava água, não pagava luz, não pagava nada, a gente simplesmente morava aqui e Itaipu comandava na época, tinha segurança, tudo que tínhamos aqui era tudo em função de Itaipu. Então foi um tempo muito bom porque veio muita gente que buscava emprego e que encontrava emprego, a casa, só que essa vila também era e a vila dos trabalhadores dos que trabalhavam mais pesado em Itaipu. Eram os trabalhadores mais humildes. Eu acho que hoje bastante moradores aqui conservam essa forma, nós somos um pouco menores, foi uma vila montada tanto que na época eles chamavam essa vila aqui de ‘Favela Branca’, todas as casas eram iguais hoje mudou muito, mas na época as casas eram todas iguais. Então tinha aquela visão: aqui era ‘Favela Branca’, depois ela se tornou um bairro comum porque as pessoas tinham adquirido as casas na parte de Itaipu. A Vila C hoje é importante porque ela acabou sendo uma vila que acolhe também, vem muita gente de fora hoje se tornou um espaço importante para nosso município, para Foz do Iguaçu, porque é grande e tem muitos moradores”.
“A união faz a força”, dizem, não é? E parece que uma das forças da Vila C, desde o começo, foi a sua união. A união das pessoas que fizeram a Vila e que têm feito a sua história. É bem disso que fala dona Maria Teresa dos Santos Tibes: “Entre os vizinhos tem uma união, um laço entre a comunidade e os moradores. Se não tivesse essa união a vila C não teria sido construída, então essa união quem teve na realidade foi a Itaipu, que foram os próprios barrageiros que construíram a vila C. É um projeto meio doido lá que surgiu, então essas casas vão abrigar esses barrageiros, por um certo tempo, mas agora abriga moradores que nem conhecem a história da vila C, morando aqui. Acho que desde o começo tinha uma boa relação no começo porque ninguém se conhecia, se não tivesse essa união nunca seria construído o bairro”.
Assim, além de quem veio para Foz, lá atrás, e viu ou participou do surgimento da comunidade, também queremos ouvir a voz de quem já nasceu aqui, quando a Vila C já existia. Como Jéssica, que reconhece o valor histórico da Vila C, ainda hoje, claro: “Eu sou nova, eu nasci aqui na Vila C, e pelo que eu conheço da história, até por trabalhos que eu fiz pra minha formação acadêmica, a Vila C surgiu pela necessidade de se ter um local para os operários da construção da Usina de Itaipu morarem e trazerem suas famílias. Até então eles ficavam num alojamento e após o início, uma boa parte da construção civil, a necessidade de poder melhorar um pouco a vida desses trabalhadores, e daí surgiu a ideia de construir um bairro para esses operários. Então a Vila C surgiu nessa necessidade de poder dar uma qualidade de vida melhor pra esses funcionários, pra que eles pudessem trazer as suas famílias também pra morarem aqui, e também pra ter mais mão de obra, consequentemente esses moradores vinham, tinham uma mulher, essa mulher também trabalhava na Usina. Então foi uma rede que foi construindo através da construção da Itaipu”.
Moral da “História”? A Vila C surgiu para os trabalhadores, quase como um “presente” de Itaipu, mas foram esses trabalhadores que fizeram Itaipu! Que coisa interessante, essa troca… Assim, nesta Gazeta vamos tentar fazer igual: vão ser as pessoas que moram e trabalham na Vila C que vão “fazer” ela.
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